Do parquinho para a Bolsa
O que fazemos como adultos também é condicionado pelo que assimilamos na infância. Os primeiros anos de uma criança podem ser determinantes na sua formação intelectual. Os reflexos disso poderão ser sentidos quando ela crescer e começar a investir.
Por Jean Tosetto
Você consegue se lembrar do exato instante em que decidiu que ingressaria na Bolsa de Valores para comprar e vender ações? Em que momento você se sentiu preparado de verdade para lidar com a renda variável?
São perguntas difíceis de responder. De concreto, a nossa trajetória anterior influencia decisivamente o modo como nos comportamos no mercado financeiro. Resta saber se isso é um fator positivo, que deva ser preservado, ou um fator negativo, que deva ser combatido.
Quando nos tornamos pais, passamos a comparar diferentes gerações com mais facilidade. Observamos os comportamentos de nossos filhos e tentamos lembrar do nosso tempo de infância, para tecer as similaridades e contrariedades entre nós e eles.
Pessoalmente, tenho ótimas lembranças do meu tempo de menino, especialmente da pré-escola. Haviam atividades lúdicas em sala de aula. Porém, a hora mais esperada do dia era o recreio: após a merenda, a criançada corria para o parquinho, para encher calçados com areia.
Girando sem parar
Havia o gira-gira. A garotada sentava em torno dele e, num esforço coletivo, fazia o brinquedo girar cada vez mais rápido. Então chegava alguém mais alto e mais forte e acelerava as rotações. As crianças menores se assustavam e pediam para descer. As crianças maiores ficavam e riam daqueles que estavam enjoados.
Alguma semelhança com o mercado de capitais? Ele gira o tempo todo, por vezes numa velocidade moderada. Porém, com o aquecimento da economia, as transações se aceleram, atraindo os novatos. Pouco acostumados com a velocidade crescente, estes se assustam com algum evento maior: um escândalo na política, um vírus novo que vem do Oriente. Subitamente o mercado freia bruscamente. Os novatos descem. Os experientes ficam.
Altos e baixos
Passamos para a gangorra. A brincadeira funciona com duas crianças se alternando entre altos e baixos. Enquanto uma está subindo, a outra desce apenas para tomar impulso quando chegar no chão. Se uma criança for bem maior que a outra, a gangorra não funciona. É preciso que exista um equilíbrio entre forças e pesos.
Assim são os ciclos do mercado financeiro e do mercado imobiliário. Raramente ambos estão empatados na linha de eixo da gangorra, suspensos no ar. Normalmente, enquanto um está em ascensão, o outro está em queda, apenas para tomar impulso para se recuperar. Um país de economia forte e consolidada é aquele onde existem pesos e contrapesos, de modo que, quando o mercado financeiro se retrai, é possível investir com segurança no mercado imobiliário.
Quem consegue fazer a leitura destes movimentos, está mais apto a se adiantar para colher resultados futuros.
Expansão e contração
Uma lógica semelhante ocorre nos balanços: eles funcionam em movimentos pendulares. A criança toma um impulso para trás, solta os pés e o balanço a leva para frente, até certo ponto. Depois o balanço recua, a criança recolhe as pernas e, quando sente que ocorre a inversão do movimento, estica as pernas para chegar num ponto mais alto, e assim sucessivamente. A graça está em aprender as manobras que te levam cada vez mais alto.
De modo semelhante ocorre a evolução patrimonial de um investidor de renda variável: em movimentos pendulares, nunca em linha reta. O primeiro impulso é importante: ninguém consegue investir sem fazer poupança antes. É necessário saber quando esticar ou recolher as pernas, ou seja, quando concentrar os aportes em momentos oportunos e quando se recolher para tomar um novo impulso.
Obviamente o balanço tem um limite físico. Nós também temos uma brevidade no tempo. Porém, algumas crianças atingem pontos mais altos do que as outras. Geralmente elas são as mais admiradas do parquinho.
A longa jornada até o topo
Por fim temos o escorregador. As crianças fazem fila para subir nele. É preciso ter paciência para subir cada degrau, que vai abrindo novos horizontes. De repente, chega-se ao ponto mais alto: é hora de escorregar. A descida é bem mais rápida e emocionante que a subida, mas certamente e vale o esforço.
Muitos investidores vão passar mais tempo em busca da independência financeira do que usufruindo dela. É preciso galgar degrau por degrau. Leva tempo, existem pessoas na frente e outras atrás, nos incentivando. Alguns, quando sentem que atingem o objetivo, param por um instante para apreciar a vista lá do alto. Quem se recusa a usufruir das benesses da independência financeira, deixando de escorregar, não entendeu o sentido da brincadeira.
Nada é para sempre
O sinal toca, o recreio acaba e a crianças devem voltar para suas classes. Assim é a nossa trajetória como investidores na Bolsa: não dura para sempre, pois nosso tempo é finito. Não vamos escorregar para sempre, não vamos girar até atingir a velocidade da luz, não vamos subir até as estrelas, via gangorra ou balanço.
Como nossos filhos poderão aprender isso, se eles não brincam mais no parquinho?
Nós, pais, temos culpa no cartório. As crianças vão brincar num monte de areia e passamos álcool gel em suas mãos. Elas pedem para brincar conosco e nunca temos tempo: lhe damos distrações para elas não nos aborrecerem enquanto estamos ocupados com a tarefas do lar e do trabalho trazido para casa.
O desafio virtual
Essas distrações podem ser particularmente conflitantes: tablets, smartphones, TVs com o acesso ao YouTube. Nossos filhos não esfolam mais os joelhos jogando bola no cimento áspero do quintal: eles usam armaduras virtuais em jogos que os levam para lugares fantasiosos, com recompensas imediatas para fases cumpridas.
As brincadeiras virtuais, que estão substituindo as brincadeiras físicas, têm seus pontos positivos e negativos. Se por um lado os jogos eletrônicos desenvolvem o raciocínio lógico das crianças, por outro lhe roubam a paciência e o companheirismo que as atividades físicas enfatizam.
Como resultado, estamos criando filhos que parecem ter respostas na ponta da língua para tudo, e que igualmente querem receber, de imediato, aquilo que desejam. Em se mantendo este cenário, estamos criando futuros investidores imediatistas, cercados por um turbilhão de informações, sem que isto resulte em capacidade analítica para a tomada correta de decisões.
Ao contrário do que possamos imaginar, nossos filhos podem ter dificuldades maiores para se tornarem investidores de longo prazo, pois eles terão que contrariar aquilo que assimilaram ainda numa fase tenra da infância. Se não fizerem isso, eles terão todos os estímulos para se tornarem Day Traders e especuladores, mas não adeptos do Value Investing e do Buy and Hold.
Em busca do equilíbrio
Portanto, é hora de arrumar o velho parquinho. Este lugar tão querido pela velha geração, tem lições valiosas para futuros investidores em renda variável. Ao conciliar jogos eletrônicos com atividades recreativas, nossas crianças terão um potencial ainda maior.
Investir no longo prazo vai além de ser parceiro de empresas fundamentadas e fundos consolidados, por tempo indeterminado: implica em preparar a próxima geração para um futuro ainda mais desafiador.
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[Crédito da imagem: fotografia captada pelo autor]