Dar um passo para aprender com o passo dado

Sempre enfatizamos que investir no longo prazo é como empreender uma longa jornada. Há um provérbio chinês sobre isso, citado até em livros: “Uma jornada de duzentos quilômetros começa com um simples passo”. Sem contestar o significado da frase, fico matutando se os chineses já conheciam o sistema métrico criado pelos franceses, numa época em que a China estava escondida do Ocidente, atrás de uma muralha. Tudo bem: licenças poéticas devem ser toleradas pelos aprendizes.

Percorrer grandes distâncias, caminhando, fez o ser humano sair da África e chegar aos confins do mundo, inclusive no sul da Patagônia. Inspirado por isso, eu telefonei para um amigo e o convidei para fazermos uma caminhada no fim da tarde. Ele perguntou:

– Você quer andar dez ou quinze quilômetros?

– Não! Só quero ir até a lagoa e voltar. Quero saber da sua viagem – respondi.

Meu amigo havia feito o Caminho de Santiago de Compostela, na Europa, num percurso de 800 quilômetros que lhe consumiu um mês, caminhando de 25 a 30 quilômetros por dia, em média. Logicamente ele não desembarcou na França e começou a andar em direção à Espanha. Ele se preparou meses antes disso, caminhando pelo Brasil mesmo, em distâncias progressivas, junto de seus colegas de jornada.

Você nunca caminha sozinho

Daí, destacamos a primeira lição válida para investidores de longo prazo: não se deve fazer uma jornada de forma isolada. Precisamos da companhia de pessoas que passam pelos mesmos desafios que enfrentamos, pois deste modo trocamos referências e incentivos. Você quer ser um investidor melhor? Conheça outros investidores.

Meu amigo relatou que durante os vários dias de caminhada conheceu gente de diversas origens, com quem eventualmente ia se cruzando pelas estradas, albergues e fontes de água pelo caminho. Sim, se você precisa se abastecer de água, deve confiar na fonte, pois carregar a própria água em garrafas vai pesar muito em suas costas no fim do dia. Do mesmo modo, devemos selecionar nossas fontes de informação no mercado financeiro, para que possamos beber água fresca e revigorante.

Fui anotando mentalmente tudo que meu amigo me dizia durante nossa curta caminhada. Na verdade deveria ter gravado a conversa onde fiquei apenas ouvindo, já projetando que poderia repassar as pérolas por escrito.

Por exemplo: por mais que você estude o caminho na teoria, tem coisas que você só aprenderá na prática. Nenhum livro, por mais detalhado que seja, tem capacidade de livrar os leitores de imprevistos e pormenores que, se ignorados, podem se converter num grande problema.

Palmilhas da segurança

Meu amigo aprendeu, na teoria, que deveria calçar uma bota de peregrino que fosse um ou dois números maior que o pé, pois no fim de um dia de caminhada os pés podem ficar inchados e se o calçado for muito justo as bolhas e calos logo surgirão. Eis uma boa analogia para o critério da margem de segurança: no mercado de capitais não se deve comprar ações de empresas ou cotas de fundos imobiliários com preços muito justos: buscar um preço descontado é melhor.

Podemos interpretar esta diferença entre o tamanho do calçado com o tamanho do pé como uma reserva que devemos manter no bolso: um investidor consciente nunca coloca todo o seu dinheiro numa operação, ele sempre fica com um pouco na mesa para chegar bem ao fim do dia.

Por vezes as botas dos nômades ficam folgadas demais, então eles usam palmilhas de gel para amortecer os pequenos impactos de cada passo. Aqui temos o chamado “colchão de emergência” que também vale para investidores em começo de jornada.  Na educação financeira, o colchão de emergência representa uma reserva de capital que permite ao investidor resolver algum problema inesperado, sem tirar dinheiro das cestas do longo prazo.

O fino ajuste

Se há uma costura de meia roçando levemente o dedão do seu pé, pare imediatamente para ajustá-la melhor. A sensação de incômodo no começo do dia pode ser bem leve ou quase imperceptível. Muitas vezes o peregrino não quer interromper a caminhada para tirar a bota e acertar a meia – mas o que parece uma coisa boba numa caminhada curta, pode representar um ferimento sério numa longa jornada. Bolhas e calos surgem de pequenos atritos ignorados.

Portanto, investidores devem estar sempre atentos aos menores sinais de incômodo em sua carteira de ativos. Se uma empresa apresentou um desempenho trimestral levemente abaixo do que vinha apresentando em seus balanços, verifique os resultados ao fim do trimestre seguinte, para identificar uma tendência. Se for o caso, diminua sua participação no ativo ou mesmo zere a posição. Não espere dois ou três anos para tomar a decisão, pois se os resultados negativos forem confirmados, com perda de fundamentos, o estrago poderá ser grande.

Bastão de salvaguarda

Muitos peregrinos do Caminho de Santiago usam cajados ou bastões, como se fossem a terceira perna. As rotas percorridas não são tão acidentadas assim, mas o apoio extra é considerado muito válido para quem usa, pois oferece melhor equilíbrio e proteção adicional contra eventuais cachorros do mato ou demais animais que porventura aparecem no meio da estrada.

Na minha visão, o cajado do peregrino é como se fosse uma casa de pesquisa independente no mercado financeiro, que o investidor consulta antes de tomar suas decisões. Mesmo peregrinos mais experientes não dispensam o seu cajado. Igualmente investidores com certa experiência continuam se valendo da leitura de relatórios preparados por analistas profissionais. Há quem diga que este item é dispensável: estas pessoas podem mudar de opinião, após levar um tombo.

Reverência aos limites

Vale destacar que cada nômade deve respeitar o seu ritmo. Apressar o passo para tentar acompanhar outras pessoas na caminhada traz muitos riscos: de fadiga, de lesões e mesmo de perca de perspectiva. Geralmente, para andar mais rápido, a pessoa olha mais para o chão do que para a paisagem: a jornada pode até ser percorrida, mas o que se aprenderá com ela deste modo?

Cada um deve vencer a jornada no seu tempo certo. No Caminho de Santiago, alguns conseguem vencer o percurso de 800 quilômetros em 28 dias. Outros levam 32. Muitos o fazem em 45 ou mesmo 60 dias. Na jornada em busca da independência financeira, os dias são contados em anos. Alguns levam cinco anos para alcançá-la, outros levam dez, talvez quinze anos. O mais importante é chegar.

Entusiasmo contagiante

Na borda oposta da lagoa, paramos para admirar o por do sol. Naquele dia, sem ver o tempo passar, caminhamos quase sete quilômetros. Meu amigo me encorajou:

– Você tem que fazer o Caminho de Santiago. Você tem totais condições. É uma experiência inesquecível. A energia que você sente naqueles lugares e daquelas pessoas é difícil de explicar. Tem que sentir. Mas na verdade, não é você que se interessa pelo Caminho: é o Caminho que te chama.

Neste ponto, ele se igualou a mim. Sou investidor de longo prazo na Bolsa de Valores. Ainda estou longe de vencer a minha jornada, mas já estou colhendo os benefícios dela. Tanto que também incentivo as pessoas a começarem a sua.

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Jean Tosetto
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